Luiz
Fernando Rodrigues Alves
A Escuta
Psicanalítica no Discurso do Sujeito Psicótico
Trabalho de conclusão do curso de atualização
Fundamentos da experiência psicanalítica, apresentado com vistas à obtenção do
título de atualização na área de Saúde Pública.
Orientadora:
Profa. Dra. Clarice Gatto
Rio de
Janeiro, novembro de 2013.
SUMÁRIO
I - Introdução
1.1 - O Caso
Schreber
1.2 - O
mecanismo da paranoia
1.3 Forclusão do Nome-do-Pai
II - Conclusão
2.1 – Caso
Clínico
Resumo
Este trabalho tem como objetivo discutir o conceito
de psicose em Freud a partir do caso Schreber e de Lacan a partir da evolução
do conceito de Forclusão em seu ensino.
Em
Freud, trata-se de um relato autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia
Paranoides), onde Freud faz uma análise do magistrado Schreber que foi
acometido de dois surtos psicóticos.
Em Lacan, o presente estudo apresenta a ideia
de uma forclusão do Nome do Pai na
psicose como algo que, ao mesmo tempo, a particulariza e a diferencia das outras
estruturas clínicas, para a proposição
de uma forclusão generalizada, que se estende também à neurose e a perversão.
Concluo
o presente trabalho com a apresentação de um único estudo de caso no relato de
um paciente diagnosticado com esquizofrenia paranoide, comparando seu discurso
às teorias de Freud e Lacan.
Palavras Chave: Forclusão. Esquizofrenia. Paranoia. Psicose. Psicanálise. Schreber.
Lacan, Jacques, 1901-1981, Freud, Sigmund, 1856-1939.
Abstract
This paper aims to discuss the
Freud’s concept of psychosis from Schreber’s case and Lacan’s from the
evolution of the concept of foreclosure in their teaching .
In Freud, it is an autobiographical report of a case
of paranoia (Dementia Paranoid), where Freud 's analysis of magistrate Schreber
who was stricken by two psychotic episodes.
In Lacan, this study presents the idea of a
foreclosure of the Name of the Father in psychosis as something that
particularized and differentiated from other clinical structures, for the
proposition of a widespread foreclosure, which extends also to neurosis and perversion.
I conclude this paper by presenting a unique case
study in the report of a patient diagnosed with paranoid schizophrenia,
comparing his speech to the theories of Freud and Lacan.
Keywords: forclosure. Schizophrenia. Paranoia. Psychosis.
Psychoanalysis. Schreber. Lacan, Jacques, 1901-1981. Freud, Sigmund, 1856-1939
.
1. Introdução
1.1 O caso
Schreber
Publicado por Freud em 1911 como as
"Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de
paranóia", e baseado no estudo do texto autobiográfico Memórias de um
doente de nervos (1903), de
Daniel Paul Schreber, Freud nos oferece uma ampla visão de sua teoria sobre as
psicoses tratando do delírio psicótico, da mesma forma que do sintoma
neurótico: ao invés de descartá-lo como manifestação patológica a ser
eliminada, busca encontrar nele um sentido aos sintomas apresentados.
Dedica-se, portanto, a uma análise cuidadosa do conteúdo do delírio de Schreber
que se crê perseguido por Deus, que lhe teria confiado à missão salvadora de se
transformar em mulher e gerar uma nova raça o que 1he permite formular a
hipótese de que o delírio seria uma defesa contra a homossexualidade, conforme
relata Freud[1].
Para Freud, o delírio de Schreber não deve ser
considerado simplesmente uma manifestação patológica, mas uma tentativa de
cura. A formação delirante que parece ser o produto patológico é na realidade,
uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução. O delírio é
concebido como uma manifestação característica do mecanismo, próprio da psicose,
no qual o que foi reprimido no interior, volta ao exterior.
1.2 O
mecanismo da paranoia
1.3 Forclusão do Nome-do-Pai
Lacan retoma o caso Schreber nos anos 1955-56, no seminário dedicado ao tema das psicoses. O texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses (1958), escrito entre a primeira e a segunda parte do Seminário 5, é também dedicado à estrutura psicótica. Em ambos os textos, Lacan retoma a concepção freudiana das psicoses a partir do mecanismo da Verwerfung freudiana, denominando-o forclusão. O termo, de origem jurídica indica o uso de um direito não exercido no momento oportuno e é utilizado por Lacan para descrever aquilo que falta ao sujeito psicótico, a castração, enquanto ordenadora do campo simbólico e, consequentemente, de suas relações com a realidade. Enquanto na neurose a castração sofre recalcamento e na perversão ela é denegada, na psicose ela permanece forcluída para o sujeito.
Segundo
Lacan, isso ocorre porque fracassa a operação metafórica que introduz o sujeito
no campo simbólico, à operação por meio da qual, como vem anteriormente, o
Nome-do-pai vem substituir-se ao desejo materno[4].
Por causa disso, não existe aquilo
mediante o qual o pai intervém como lei.
É
por isso que, para Lacan, a psicose decorre fundamentalmente da carência do
pai. Entretanto, essa carência não deve
ser entendida como a carência do pai na família e sim como a carência de uma
função. Para Lacan, é possível, concebível, exequível e palpável pela
experiência, que o pai esteja presente mesmo quando não está, o que já deveria
nos incitar a certa prudência no manejo do ponto de vista ambientalista no que
concerne à função do pai. Mesmo nos casos em que o pai não está presente, em
que a criança é deixada sozinha com a mãe, complexos de Édipo inteiramente
normais surgem nos dois sentidos: normais como normalizadores, por um lado, e
também normais no que se não normaliza, isto é, por seu efeito neurotizante,
por exemplo - se estabelecem de maneira exatamente homóloga à dos outros casos.
É nesse sentido que a presença ou ausência concreta do pai na família não é
suficiente para definir a carência de sua função. O pai de Schreber, por
exemplo, longe de ter sido um pai ausente, ficou conhecido pelo caráter
tirânico e extrema rigidez pedagógica, tendo sido autor de um tratado que
visava à educação infantil através da "ginástica terapêutica". Para
Lacan, portanto, nunca se sabe em que o pai é carente.
Assim, o que está em jogo na psicose
não é a presença ou ausência do pai na família, mas uma posição subjetiva em
que, ao apelo do Nome-do-Pai corresponda não à ausência do pai real, pois essa
ausência é mais do que compatível com a presença do significante, mas a
carência do próprio significante." “A Verwerfung será tida por
nós, portanto, como forclusão do significante”. No ponto em que,
veremos de que maneira, é chamado o Nome-do-Pai, pois, responder no Outro um
puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um
furo correspondente no lugar da significação fálica." A consequência dessa
função paterna é o retorno no real, do que ficou forcluído, cuja manifestação
clara é a alucinação. Para Lacan, "tudo o que é recusado na ordem
simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real”.
2.
Conclusão
A partir dos estudos de Freud e Lacan, podemos concluir que o
dizer do sujeito psicótico, surge na urgência de um desejo da mãe em função da
ausência do Nome-do Pai, como representante desse encontro a três, que se faz
muito bem representado no esquema proposto por Lacan[5]·,
onde o sujeito se pergunta “Que sou eu nisso?” Se questionando se ele sujeito é
um homem ou uma mulher.
2.1 Caso Clínico
O presente caso se refere a
fragmentos de sessões de J.L. (nome fictício) que foi meu analisando entre os
anos de 2005 a 2008, em sessões três vezes por semana, e que havia sido
diagnosticado pela clínica psiquiátrica como Esquizofrenia paranoide, a partir
dos 19 anos de idade. Nunca havia sido tratado com qualquer tipo de escuta
analítica, somente pela clínica psiquiátrica médica e foi internado uma única
vez, a seu pedido, logo após o falecimento de uma tia, que ocorreu poucos meses
após o falecimento de sua mãe, época em que completara 28 anos de idade. Nas
entrevistas preliminares J.L. havia terminado de completar 40 anos de idade.
Era um rapaz tímido, recluso, desconfiado que vivia sozinho e era tutelado por
duas irmãs (paternas mais velhas filhas de seu pai com a primeira esposa), que me pediram para atende-lo como
psicanalista, após ter sofrido uma
fratura no ombro em consequência de uma queda. Segundo relatado pelas irmãs, J.L. havia
simpatizado comigo já nas entrevistas preliminares, algo que não costumava
ocorrer com outros profissionais da saúde.
Logo que iniciou sua análise pude
observar que a transferência ocorreu de forma positiva, em virtude da
possibilidade de poder dizer o que lhe viesse à mente sem nenhuma
interferência, pois até então segundo dizia, nunca pode realmente se expressar,
tanto na fala como em gestos. Seu discurso era, de que, aos três anos de idade
presenciou a relação sexual de seus pais e que aquilo ficou identificado para
ele como um ato de violência, em que seu pai infringira a sua mãe. Relato esse
que sempre mencionava o pai como um homem rude e ignorante, que lhe causara
muitos males, dentre eles o fato de ter abusado sexualmente dele desde dos três
anos até a puberdade em torno dos 12 anos, período esse em que ele relatou o
fato a mãe e a tia (que residia no apartamento em um andar acima no mesmo
prédio) e ambas proibiram que o pai continuasse dando banho nele, pois eram
nesses banhos que o abuso acontecia conforme seu discurso. J.L. relatava que em
sua infância sentia uma atração pelos homens, mas ao mesmo tempo um medo de que
algo ruim pudesse acontecer a ele caso viesse a se relacionar com eles. Na
escola sofria bullyng de seus colegas que diziam que ele era gay, e que ele e
dois desses colegas masturbavam-se mutuamente no banheiro da escola. Relatou
também com grande riqueza de detalhes que foi amante dessa tia que o ajudara a
criar e que ela era alcoólatra e o seduzia desde pequeno, e ao completar 16
anos de idade ela o iniciara com sua primeira relação sexual. Segundo seu
relato ambos foram amantes por mais de dez anos até o falecimento dela, o que
gerou seu pedido de internação em uma clínica psiquiátrica. Perguntava sempre a
seu pai se haveria algum problema caso ele fosse homossexual, o que esse
respondia que, isso lhe traria sofrimento e preconceitos e seria melhor não
ser. Quando perguntava o mesmo a sua mãe, ela dizia que preferia ter um filho
preso ou mesmo morto, ao invés de um filho homossexual. No seu discurso em análise,
ele sempre repetia a seguinte frase, esperando uma resposta de confirmação de
minha parte:
J.L “Mulher
gosta de homem rude!?”, se referindo ao amor da mãe ao pai e não a ele.
Eu “O que
você acha?”.
J.L. “Gosta!”...
Seguido por um silêncio.
A pergunta se repetia em todas as sessões
durante sua análise, o que caracterizava que no seu entendimento, a mãe não o
amava e sim ao pai, e que ele só tinha a tia amante como alguém que o amava. Tia
essa, que no seu discurso mantinha relações sexuais com ele várias vezes ao dia
durante anos. Seu primeiro surto psicótico ocorreu no primeiro ano de faculdade,
quando ouvia vozes que diziam: “você é
viado” (conforme lembrou em uma de suas sessões).
Agrediu fisicamente seu pai e sua mãe,
porém quando tentou o mesmo com a tia ela disse a ele que, “se a agredisse perderia a mulher
(amante)” e que, após essa ameaça, conseguiu conter o seu impulso, pois seria
muito difícil perder a única pessoa que o amava.
Esses fragmentos de caso nos dão uma
ideia dos relatos de um sujeito no seu discurso psicótico em que mesmo um pai
presente fisicamente, pode indicar no apelo do sujeito à lei a forclusão do
significante Nome-do-pai através de sua percepção com o seu mundo interno e
externo no que se refere aos significados. O que cabe aqui salientar é na sua
insistência em afirmar que o pai era rude e violento com ele e que o abusara
sexualmente, e todo o mal que lhe ocorreu durante sua vida, partiu desse
entendimento, conforme seu discurso afirmativo de que “se tivesse tido um bom pai, talvez ele não tivesse enlouquecido”. Referia-se
ao pai como LEÃO, devido ao perigo que ele representava, e que esse lhe causara
destruição física. Quando caminhava pelas ruas ficava o tempo todo olhando para
trás para não ser atacado e penetrado por ninguém, várias vezes caiu por andar
rápido em fuga conforme relato seu. Sua última fratura o levou a uma
deficiência física que não pode ser corrigida cirurgicamente, devido a sua
diabete que inclusive o levou a uma retinopatia (perda progressiva da visão).
Atualmente
o atendo em sua residência quando ele me solicita e sempre escuto seu discurso
repetitivo no que diz respeito à ausência desse significante incondicionado que
é o significante Forclusão do Nome-do-Pai e as consequências psíquicas que
podem ocorrer ao sujeito foracluído.
Contudo, Lacan[6]
indica, em seu seminário sobre Joyce, que “há um outro modo de chamar ao pai”,
a busca por uma psicanálise seria um desses modos?
O termo demência precoce pode ser
observado pela sua incapacidade de elaborar alguns conteúdos básicos, que para
um neurótico, não haveria nenhum problema. As riquezas de detalhes no seu
discurso dão a clareza dos fatos acontecidos na sua infância e puberdade, porém,
após o desencadeamento de seu primeiro surto de passagem para a esquizofrenia,
esses detalhes entram na ordem do imaginário sem o recurso da articulação simbólica
o LEÃO, que a escuta analítica permite destacar, retorna no real para o
sujeito, mas no discurso analítico, em seu delírio, as perguntas: “Sou
homossexual, heterossexual ou bissexual? O que sou eu nisso?”, o inserem na
tentativa de cura da qual fala Freud.
Esquema L:
Referências
bibliográficas
FREUD, Sigmund (1911/1913) O Caso Schreber Artigos sobre técnica
e outros trabalhos. In: Edição Standard
brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: IMAGO, 1969 Vol. XII
LACAN, Jacques (1955-1956)
De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
O Seminário – livro 23: O Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
[1] (...) O próprio paciente informou o mundo de sua
fantasia de ser transformado em mulher (...)”. O Caso Schreber- Vol. XII-
1911, p. 62.
[4] Lacan J.
“É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no
significado, dá início à cascata de remanejamento do significante de onde
provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em
que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante”, in: Escritos 1958, p. 584.
[5] Lacan, Jacques, Escritos (1955-1956)
De uma questão preliminar a todo
tratamento possível da psicose, Esquema L, p. 555.
[6] Lacan,
Jacques. O Seminário, Livro 23: O
Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p.163.
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