quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A Foraclusão do Nome-do-Pai

Trabalho apresentado no I Colóquio do Fórum do campo Lacaniano Diagonal Rio de Janeiro  -  15/10/2016



Luiz Fernando Rodrigues Alves

O título dessa mesa “o inconsciente a céu aberto” faz referência a expressão de Lacan no Seminário 3, As psicoses (Lacan, 1985).  Na sintomatologia das psicoses, a divisão fundadora do inconsciente, operada pelo recalcamento originário, não acontece, o que leva à formulação lacaniana de que o inconsciente aparece “a céu aberto” (Lacan, 1956 / 1975, aula de 14 de dezembro de 1955, p.73).  Nas psicoses a operação que responde à castração simbólica é a foraclusão (Verwerfung), distinta do recalcamento originário (Urverdrängung), defesa presente nas neuroses e nas perversões.  O fato de o sujeito na estrutura psicótica não reconhecer os efeitos inconscientes (formações) nem por isto quer dizer que a linguagem inconsciente deixa de operar efeitos em seu discurso.
Neste trabalho comentarei a formulação de Lacan a propósito da noção de foraclusão do Nome-do-Pai para pensarmos a modalidade de resposta à castração nas psicoses.

A foraclusão no Nome-do-Pai

Lacan retoma o caso Schreber nos anos 1955-56, no seminário dedicado ao tema das psicoses. O texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses (Lacan, 1958/1998), escrito entre a primeira e a segunda parte do Seminário 5, é também dedicado à estrutura psicótica. Em ambos os textos, Lacan retoma a concepção freudiana das psicoses a partir do mecanismo da Verwerfung freudiana, denominando-o foraclusão.  O termo, de origem jurídica indica o uso de um direito não exercido no momento oportuno e é utilizado por Lacan para descrever aquilo que falta ao sujeito psicótico, a castração, enquanto ordenadora do campo simbólico e, consequentemente, de suas relações com a realidade. Enquanto na neurose a castração sofre recalcamento e na perversão ela é desmentida, na psicose ela permanece foracluída para o sujeito. 
Segundo Lacan isso ocorre porque fracassa a operação metafórica que introduz o sujeito no campo simbólico, à operação por meio da qual, o Nome-do-pai (NP) como significante da lei que impõe a castração simbólica para todo homem como condição de acesso ao gozo fálico, em substituição ao desejo materno (DM).  Por causa disso, não existe aquilo mediante o qual o pai intervém como lei (Fig.1). 

                 Resultado de imagem para metáfora paterna lacan

É por isso que, para Lacan, a psicose decorre fundamentalmente da carência do pai. Entretanto, essa carência não deve ser entendida como a carência do pai na família e sim como a carência de uma função. Para Lacan é possível, concebível, exequível e palpável pela experiência, que o pai esteja presente mesmo quando não está, o que já deveria nos incitar certa prudência no manejo do que concerne à função do pai. Mesmo nos casos em que o pai não está presente, em que a criança é deixada sozinha com a mãe, a ausência concreta do pai na família não é suficiente para definir a carência de sua função.  O pai de Schreber, por exemplo, longe de ter sido um pai ausente, ficou conhecido pelo caráter tirânico e extrema rigidez pedagógica, tendo sido autor de um tratado que visava à educação infantil através da “ginástica terapêutica”. Para Lacan, portanto, “nunca se sabe em que o pai é carente”.
Assim, “o que está em jogo na psicose não é a presença ou ausência do pai na família, mas uma posição subjetiva em que, ao apelo do Nome-do-Pai corresponda não à ausência do pai real, pois essa ausência é mais do que compatível com a presença do significante, mas a carência do próprio significante”. A Verwerfung, “será tida por nós, portanto, como foraclusão do significante” (Lacan, 1958/1998, p. 564).
No ponto em que, é chamado o Nome-do-Pai, responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica, conforme o Esquema I, cujo falo simbólico se apresenta zerado, F0 (Lacan, 1958/1998, p.564 e 578).  A consequência da não inscrição da função paterna é o retorno no real do que ficou foracluído cuja manifestação clara é a alucinação.  Para Lacan “tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real”.  

As consequências da foraclusão no Nome-do-Pai

Em “Análise de um Caso de Paranóia Crônica de 1896”, Freud relata um caso clínico de psicose paranoica na qual sua paciente a Sr.ª P. na impossibilidade de recalcar como mecanismo de defesa, a sua relação sexual com o irmão na infância, formou um sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas, onde o sujeito deixa de reconhecer a autoacusação pelo ato libidinoso, e para que possa recompensar isso, fica privado de proteção contra as auto - acusações que, retornam em suas representações delirantes sob a forma de pensamentos ditos em voz alta e com os olhares dos vizinhos que ela acreditava estarem sempre voltados para ela, observando sua troca de roupa dentro de seu próprio quarto fechado. Freud afirma ainda que os sintomas de defesa secundária, presentes nas neuroses,  não estão presentes na paranóia, porque segundo o autor, nenhuma defesa pode agir contra os sintomas do retorno do recalcado, porque os mesmos estariam ligados a uma crença, o que não ocorre como o paranoico, ao invés disso surge uma outra fonte para formação de sintomas ( sintomas do retorno do recalcado). São as representações delirantes que chegam ao consciente através de uma formação de compromisso, aumentando as atividades de pensamento, até que essas possam ser aceitas sem nenhuma contradição, onde o sujeito forma sua verdade absoluta, sem nenhuma dúvida ou questionamento desse saber.
          Seriam delírios combinatórios e interpretativos, promovendo uma possível alteração no ego, já que Freud afirmou que a paciente não apresentava nenhum sinal de tentativa de interpretação durante a análise e que, a chamada fraqueza de memória nos paranoicos é tendenciosa, ela baseia-se no recalque e serve para fins do recalque. Em suas palavras ele afirma que Ocorre um recalcamento e substituição subsequentes de lembranças que não são nada patogênicas, mas que contradizem a alteração do ego tão insistentemente exigida pelos sintomas do retorno do recalcado (Freud, 1896, p.173)”.
Em Lacan, temos o caso de sua paciente que ao dizer que, vinha do salsicheiro, ouve como resposta no Real, a palavra Porca, apontando que, quando esse Outro com A maiúsculo fala não é a realidade na qual o sujeito se articula no seu dizer, e sim, a de um Outro que está além dessa realidade.  No entanto, fiquemos atentos com a explicação de Lacan que não descartando a teoria Freudiana, e sim, atualizando-a, no que diz respeito à foraclusão no Nome-do-Pai, permite tanto pensar a psicose em termos de zerificação do falo significante e o peso da significação da significação no vazio enigmático que se apresenta no lugar da significação,  fato importantíssimo da sua teorização por possibilitar um tratamento para esse tipo de paciente dentro da técnica analítica, quanto propor uma incidência outra para o Nome-do-Pai que não na posição de significante, porém uma incidência no real, dando com isso mais uma indicação do caminho a seguir nesse tipo de tratamento, que deverá comportar por essa razão, necessariamente, uma intervenção no nível do real.

Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund (1911/1913) O Caso Schreber Artigos sobre técnica e outros trabalhos. In: Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1987 2ª edição  -  Vol. XII.
FREUD, Sigmund ( 1893 – 1899 )  Um caso de Paranoia Crônica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1987 2ª edição – Vol. III.
LACAN, Jacques (1955-1956) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
LACAN, Jacques ( 1957-1958)  A Foraclusão do Nome do Pai. In: O Seminário  Livro 5 as formações do inconsciente . Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1999.
LACAN, Jacques (1955-1956) Eu venho do salsicheiro. In: O seminário Livro 3 as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar editor, 1997.
LACAN, Jacques (1932)  Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.




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