terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Escuta Psicanalítica no Discurso do Sujeito Psicótico





Luiz Fernando Rodrigues Alves





A Escuta Psicanalítica no Discurso do Sujeito Psicótico




Trabalho de conclusão do curso de atualização Fundamentos da experiência psicanalítica, apresentado com vistas à obtenção do título de atualização na área de Saúde Pública.




Orientadora: Profa. Dra. Clarice Gatto



Rio de Janeiro, novembro de 2013.





SUMÁRIO

I - Introdução
1.1  - O Caso Schreber
1.2  - O mecanismo da paranoia
1.3   Forclusão do Nome-do-Pai
II - Conclusão
2.1  – Caso Clínico



   


Resumo

  Este trabalho tem como objetivo discutir o conceito de psicose em Freud a partir do caso Schreber e de Lacan a partir da evolução do conceito de Forclusão em seu ensino.
  Em Freud, trata-se de um relato autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia Paranoides), onde Freud faz uma análise do magistrado Schreber que foi acometido de dois surtos psicóticos.
 Em Lacan, o presente estudo apresenta a ideia de uma forclusão do Nome do Pai  na psicose como algo que, ao mesmo tempo, a particulariza e a diferencia das outras estruturas clínicas,  para a proposição de uma forclusão generalizada, que se estende também à neurose e a perversão.
Concluo o presente trabalho com a apresentação de um único estudo de caso no relato de um paciente diagnosticado com esquizofrenia paranoide, comparando seu discurso às teorias de Freud e Lacan.
  
      
  Palavras Chave: Forclusão. Esquizofrenia. Paranoia. Psicose. Psicanálise. Schreber.  Lacan, Jacques, 1901-1981, Freud, Sigmund, 1856-1939.
     
  
Abstract

   This paper aims to discuss the Freud’s concept of psychosis from Schreber’s case and Lacan’s from the evolution of the concept of foreclosure in their teaching .
   In Freud, it is an autobiographical report of a case of paranoia (Dementia Paranoid), where Freud 's analysis of magistrate Schreber who was stricken by two psychotic episodes.
   In Lacan, this study presents the idea of ​​a foreclosure of the Name of the Father in psychosis as something that particularized and differentiated from other clinical structures, for the proposition of a widespread foreclosure, which extends also to neurosis and perversion.
   I conclude this paper by presenting a unique case study in the report of a patient diagnosed with paranoid schizophrenia, comparing his speech to the theories of Freud and Lacan.
    

Keywords: forclosure. Schizophrenia. Paranoia. Psychosis. Psychoanalysis. Schreber. Lacan, Jacques, 1901-1981. Freud, Sigmund, 1856-1939 .



1. Introdução

1.1 O caso Schreber

         Publicado por Freud em 1911 como as "Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia", e baseado no estudo do texto autobiográfico Memórias de um doente de nervos (1903), de Daniel Paul Schreber, Freud nos oferece uma ampla visão de sua teoria sobre as psicoses tratando do delírio psicótico, da mesma forma que do sintoma neurótico: ao invés de descartá-lo como manifestação patológica a ser eliminada, busca encontrar nele um sentido aos sintomas apresentados. Dedica-se, portanto, a uma análise cuidadosa do conteúdo do delírio de Schreber que se crê perseguido por Deus, que lhe teria confiado à missão salvadora de se transformar em mulher e gerar uma nova raça o que 1he permite formular a hipótese de que o delírio seria uma defesa contra a homossexualidade, conforme relata Freud[1].
       Para Freud, o delírio de Schreber não deve ser considerado simplesmente uma manifestação patológica, mas uma tentativa de cura. A formação delirante que parece ser o produto patológico é na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução. O delírio é concebido como uma manifestação característica do mecanismo, próprio da psicose, no qual o que foi reprimido no interior, volta ao exterior.

1.2 O mecanismo da paranoia

        Freud defende que a paranoia é um mecanismo de defesa na qual o sujeito para proteger-se de suas catexias sociais instituais, é levado a algum lugar entre os estádios de autoerotismo, narcisismo e homossexualismo. Freud cita ainda uma disposição semelhante aos pacientes diagnosticados como esquizofrênicos (demência precoce), para ele o individuo do sexo masculino possue uma fantasia de amar outro homem, e que a paranoia vem em contra posição a esse desejo, conforme seu relato [2].   No caso de Schreber o amor pelo pai autoritário se faz latente, tendo sido substituído pelo amor a Deus e que para promover tal desejo, se fazia necessário que ele pudesse se transformar em uma mulher e assim gerar filhos que repovoariam a terra.  O fato de amar um homem, faz com que o paranoico diga que o odeia, evitando assim que o inconsciente invada o consciente. Porém, esse eu odeio é substituído por ele me odeia, gerando como produto final os delírios paranoicos de perseguição. O que ocorre é que o perseguidor fora no passado alguém que foi amado, conforme relata Freud [3].

1.3  Forclusão do Nome-do-Pai

        Lacan retoma o caso Schreber nos anos 1955-56, no seminário dedicado ao tema das psicoses. O texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses (1958), escrito entre a primeira e a segunda parte do Seminário 5, é também dedicado à estrutura psicótica. Em ambos os textos, Lacan retoma a concepção freudiana das psicoses a partir do mecanismo da Verwerfung freudiana, denominando-o forclusão.  O termo, de origem jurídica indica o uso de um direito não exercido no momento oportuno e é utilizado por Lacan para descrever aquilo que falta ao sujeito psicótico, a castração, enquanto ordenadora do campo simbólico e, consequentemente, de suas relações com a realidade. Enquanto na neurose a castração sofre recalcamento e na perversão ela é denegada, na psicose ela permanece forcluída para o sujeito. 
        Segundo Lacan, isso ocorre porque fracassa a operação metafórica que introduz o sujeito no campo simbólico, à operação por meio da qual, como vem anteriormente, o Nome-do-pai vem substituir-se ao desejo materno[4].  Por causa disso, não existe aquilo mediante o qual o pai intervém como lei. 
        É por isso que, para Lacan, a psicose decorre fundamentalmente da carência do pai.  Entretanto, essa carência não deve ser entendida como a carência do pai na família e sim como a carência de uma função. Para Lacan, é possível, concebível, exequível e palpável pela experiência, que o pai esteja presente mesmo quando não está, o que já deveria nos incitar a certa prudência no manejo do ponto de vista ambientalista no que concerne à função do pai. Mesmo nos casos em que o pai não está presente, em que a criança é deixada sozinha com a mãe, complexos de Édipo inteiramente normais surgem nos dois sentidos: normais como normalizadores, por um lado, e também normais no que se não normaliza, isto é, por seu efeito neurotizante, por exemplo - se estabelecem de maneira exatamente homóloga à dos outros casos. É nesse sentido que a presença ou ausência concreta do pai na família não é suficiente para definir a carência de sua função. O pai de Schreber, por exemplo, longe de ter sido um pai ausente, ficou conhecido pelo caráter tirânico e extrema rigidez pedagógica, tendo sido autor de um tratado que visava à educação infantil através da "ginástica terapêutica". Para Lacan, portanto, nunca se sabe em que o pai é carente. 
        Assim, o que está em jogo na psicose não é a presença ou ausência do pai na família, mas uma posição subjetiva em que, ao apelo do Nome-do-Pai corresponda não à ausência do pai real, pois essa ausência é mais do que compatível com a presença do significante, mas a carência do próprio significante." “A Verwerfung será tida por nós, portanto, como forclusão do significante”. No ponto em que, veremos de que maneira, é chamado o Nome-do-Pai, pois, responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica." A consequência dessa função paterna é o retorno no real, do que ficou forcluído, cuja manifestação clara é a alucinação. Para Lacan, "tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real”.

2.  Conclusão

        A partir dos estudos de Freud e Lacan, podemos concluir que o dizer do sujeito psicótico, surge na urgência de um desejo da mãe em função da ausência do Nome-do Pai, como representante desse encontro a três, que se faz muito bem representado no esquema proposto por Lacan[5]·, onde o sujeito se pergunta “Que sou eu nisso?” Se questionando se ele sujeito é um homem ou uma mulher.
   
2.1  Caso Clínico

        O presente caso se refere a fragmentos de sessões de J.L. (nome fictício) que foi meu analisando entre os anos de 2005 a 2008, em sessões três vezes por semana, e que havia sido diagnosticado pela clínica psiquiátrica como Esquizofrenia paranoide, a partir dos 19 anos de idade. Nunca havia sido tratado com qualquer tipo de escuta analítica, somente pela clínica psiquiátrica médica e foi internado uma única vez, a seu pedido, logo após o falecimento de uma tia, que ocorreu poucos meses após o falecimento de sua mãe, época em que completara 28 anos de idade. Nas entrevistas preliminares J.L. havia terminado de completar 40 anos de idade. Era um rapaz tímido, recluso, desconfiado que vivia sozinho e era tutelado por duas irmãs (paternas mais velhas filhas de seu pai  com a primeira esposa),  que me pediram para atende-lo como psicanalista,  após ter sofrido uma fratura no ombro em consequência de uma queda.   Segundo relatado pelas irmãs, J.L. havia simpatizado comigo já nas entrevistas preliminares, algo que não costumava ocorrer com outros profissionais da saúde.
        Logo que iniciou sua análise pude observar que a transferência ocorreu de forma positiva, em virtude da possibilidade de poder dizer o que lhe viesse à mente sem nenhuma interferência, pois até então segundo dizia, nunca pode realmente se expressar, tanto na fala como em gestos. Seu discurso era, de que, aos três anos de idade presenciou a relação sexual de seus pais e que aquilo ficou identificado para ele como um ato de violência, em que seu pai infringira a sua mãe. Relato esse que sempre mencionava o pai como um homem rude e ignorante, que lhe causara muitos males, dentre eles o fato de ter abusado sexualmente dele desde dos três anos até a puberdade em torno dos 12 anos, período esse em que ele relatou o fato a mãe e a tia (que residia no apartamento em um andar acima no mesmo prédio) e ambas proibiram que o pai continuasse dando banho nele, pois eram nesses banhos que o abuso acontecia conforme seu discurso. J.L. relatava que em sua infância sentia uma atração pelos homens, mas ao mesmo tempo um medo de que algo ruim pudesse acontecer a ele caso viesse a se relacionar com eles. Na escola sofria bullyng de seus colegas que diziam que ele era gay, e que ele e dois desses colegas masturbavam-se mutuamente no banheiro da escola. Relatou também com grande riqueza de detalhes que foi amante dessa tia que o ajudara a criar e que ela era alcoólatra e o seduzia desde pequeno, e ao completar 16 anos de idade ela o iniciara com sua primeira relação sexual. Segundo seu relato ambos foram amantes por mais de dez anos até o falecimento dela, o que gerou seu pedido de internação em uma clínica psiquiátrica. Perguntava sempre a seu pai se haveria algum problema caso ele fosse homossexual, o que esse respondia que, isso lhe traria sofrimento e preconceitos e seria melhor não ser. Quando perguntava o mesmo a sua mãe, ela dizia que preferia ter um filho preso ou mesmo morto, ao invés de um filho homossexual. No seu discurso em análise, ele sempre repetia a seguinte frase, esperando uma resposta de confirmação de minha parte:
J.L “Mulher gosta de homem rude!?”, se referindo ao amor da mãe ao pai e não a ele.
Eu “O que você acha?”.
J.L. “Gosta!”... Seguido por um silêncio.
        A pergunta se repetia em todas as sessões durante sua análise, o que caracterizava que no seu entendimento, a mãe não o amava e sim ao pai, e que ele só tinha a tia amante como alguém que o amava. Tia essa, que no seu discurso mantinha relações sexuais com ele várias vezes ao dia durante anos. Seu primeiro surto psicótico ocorreu no primeiro ano de faculdade, quando ouvia vozes que diziam: “você é viado” (conforme lembrou em uma de suas sessões).
       Agrediu fisicamente seu pai e sua mãe, porém quando tentou o mesmo com a tia ela disse a ele que, “se a agredisse perderia a mulher (amante)” e que, após essa ameaça, conseguiu conter o seu impulso, pois seria muito difícil perder a única pessoa que o amava.
        Esses fragmentos de caso nos dão uma ideia dos relatos de um sujeito no seu discurso psicótico em que mesmo um pai presente fisicamente, pode indicar no apelo do sujeito à lei a forclusão do significante Nome-do-pai através de sua percepção com o seu mundo interno e externo no que se refere aos significados. O que cabe aqui salientar é na sua insistência em afirmar que o pai era rude e violento com ele e que o abusara sexualmente, e todo o mal que lhe ocorreu durante sua vida, partiu desse entendimento, conforme seu discurso afirmativo de que “se tivesse tido um bom pai, talvez ele não tivesse enlouquecido”. Referia-se ao pai como LEÃO, devido ao perigo que ele representava, e que esse lhe causara destruição física. Quando caminhava pelas ruas ficava o tempo todo olhando para trás para não ser atacado e penetrado por ninguém, várias vezes caiu por andar rápido em fuga conforme relato seu. Sua última fratura o levou a uma deficiência física que não pode ser corrigida cirurgicamente, devido a sua diabete que inclusive o levou a uma retinopatia (perda progressiva da visão).
        Atualmente o atendo em sua residência quando ele me solicita e sempre escuto seu discurso repetitivo no que diz respeito à ausência desse significante incondicionado que é o significante Forclusão do Nome-do-Pai e as consequências psíquicas que podem ocorrer ao sujeito foracluído.  Contudo, Lacan[6] indica, em seu seminário sobre Joyce, que “há um outro modo de chamar ao pai”, a busca por uma psicanálise seria um desses modos?
        O termo demência precoce pode ser observado pela sua incapacidade de elaborar alguns conteúdos básicos, que para um neurótico, não haveria nenhum problema. As riquezas de detalhes no seu discurso dão a clareza dos fatos acontecidos na sua infância e puberdade, porém, após o desencadeamento de seu primeiro surto de passagem para a esquizofrenia, esses detalhes entram na ordem do imaginário sem o recurso da articulação simbólica o LEÃO, que a escuta analítica permite destacar, retorna no real para o sujeito, mas no discurso analítico, em seu delírio, as perguntas: “Sou homossexual, heterossexual ou bissexual? O que sou eu nisso?”, o inserem na tentativa de cura da qual fala Freud.




Esquema L:
                                  

                                                                  





Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund (1911/1913) O Caso Schreber Artigos sobre técnica e outros trabalhos. In: Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1969 Vol. XII

LACAN, Jacques (1955-1956) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
O Seminário – livro 23: O Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.




[1] (...) O próprio paciente informou o mundo de sua fantasia de ser transformado em mulher (...)”. O Caso Schreber- Vol. XII- 1911,  p. 62.
[2]  (...) é uma fantasia de desejo homossexual de amar um homem (...). Sobre o Mecanismo da paranoia Vol. XII  - 1911,  p. 85.
[3] A preposição ‘eu (um homem) o amo’ é contraditada por: (a) Delírios de perseguição, (...) Sobre o Mecanismo da paranoia Vol. XII – 1911,  p. 86.
[4]  Lacan J.  “É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamento do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante”, in: Escritos 1958, p. 584.
[5]  Lacan, Jacques, Escritos (1955-1956) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, Esquema L, p. 555.
[6] Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 23: O Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p.163.  

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A Maternidade e Paternidade na família homo-afetiva

   Quando nos referimos a família, pensamos sempre em pai (homem) mãe (mulher) e filho(as). Porém nem sempre esse conceito de família coincide com a atual realidade. O que estamos testemunhando na atualidade são, novas famílias que estão sendo denominadas homo-afetivas, famílias essas que se constituem de maneira diferenciada das famílias heterossexuais. No que diz respeito a essas famílias, a presença de duas mães ou dois pais são a norma e seus filhos são fecundados através dos gametas de um dos pares in vitro. Em alguns casos a adoção é uma segunda opção.. O que se tem discutido no meio psicossocial e religioso é, de que maneira essas crianças oriundas de famílias homo-afetivas irão se identificar em sua sexualidade quando forem adultas?  Pois bem, cabe lembrar que seus pais em sua grande maioria são oriundos de famílias heterossexuais e que tiveram padrões de normas e condutas dentro desse contexto, e que em determinado período de suas vidas se descobriram homossexuais apesar da orientação oposta de seus pais. Isso nos faz pensar que, mesmo dentro de padrões de organização homossexual na família, pode-se gerar pessoas que não tenham a mesma orientação sexual, logo, podemos perceber que o fato do sujeito ser oriundo de uma família homo-afetiva, não necessariamente, será ele em sua vida adulta um homossexual  por indução do direcionamento de seus pais, como ocorre dentro de uma família heterossexual. As escolhas e desejos são da ordem do inconsciente de cada sujeito. E mesmo que, o  meio possa, de alguma forma interferir na sua escolha (seja de uma família ou de outra), o que irá prevalecer é o sujeito do inconsciente, caso contrário, se instala o sintoma como representante do real no protesto do significante desejo.

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