quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A Foraclusão do Nome-do-Pai

Trabalho apresentado no I Colóquio do Fórum do campo Lacaniano Diagonal Rio de Janeiro  -  15/10/2016



Luiz Fernando Rodrigues Alves

O título dessa mesa “o inconsciente a céu aberto” faz referência a expressão de Lacan no Seminário 3, As psicoses (Lacan, 1985).  Na sintomatologia das psicoses, a divisão fundadora do inconsciente, operada pelo recalcamento originário, não acontece, o que leva à formulação lacaniana de que o inconsciente aparece “a céu aberto” (Lacan, 1956 / 1975, aula de 14 de dezembro de 1955, p.73).  Nas psicoses a operação que responde à castração simbólica é a foraclusão (Verwerfung), distinta do recalcamento originário (Urverdrängung), defesa presente nas neuroses e nas perversões.  O fato de o sujeito na estrutura psicótica não reconhecer os efeitos inconscientes (formações) nem por isto quer dizer que a linguagem inconsciente deixa de operar efeitos em seu discurso.
Neste trabalho comentarei a formulação de Lacan a propósito da noção de foraclusão do Nome-do-Pai para pensarmos a modalidade de resposta à castração nas psicoses.

A foraclusão no Nome-do-Pai

Lacan retoma o caso Schreber nos anos 1955-56, no seminário dedicado ao tema das psicoses. O texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses (Lacan, 1958/1998), escrito entre a primeira e a segunda parte do Seminário 5, é também dedicado à estrutura psicótica. Em ambos os textos, Lacan retoma a concepção freudiana das psicoses a partir do mecanismo da Verwerfung freudiana, denominando-o foraclusão.  O termo, de origem jurídica indica o uso de um direito não exercido no momento oportuno e é utilizado por Lacan para descrever aquilo que falta ao sujeito psicótico, a castração, enquanto ordenadora do campo simbólico e, consequentemente, de suas relações com a realidade. Enquanto na neurose a castração sofre recalcamento e na perversão ela é desmentida, na psicose ela permanece foracluída para o sujeito. 
Segundo Lacan isso ocorre porque fracassa a operação metafórica que introduz o sujeito no campo simbólico, à operação por meio da qual, o Nome-do-pai (NP) como significante da lei que impõe a castração simbólica para todo homem como condição de acesso ao gozo fálico, em substituição ao desejo materno (DM).  Por causa disso, não existe aquilo mediante o qual o pai intervém como lei (Fig.1). 

                 Resultado de imagem para metáfora paterna lacan

É por isso que, para Lacan, a psicose decorre fundamentalmente da carência do pai. Entretanto, essa carência não deve ser entendida como a carência do pai na família e sim como a carência de uma função. Para Lacan é possível, concebível, exequível e palpável pela experiência, que o pai esteja presente mesmo quando não está, o que já deveria nos incitar certa prudência no manejo do que concerne à função do pai. Mesmo nos casos em que o pai não está presente, em que a criança é deixada sozinha com a mãe, a ausência concreta do pai na família não é suficiente para definir a carência de sua função.  O pai de Schreber, por exemplo, longe de ter sido um pai ausente, ficou conhecido pelo caráter tirânico e extrema rigidez pedagógica, tendo sido autor de um tratado que visava à educação infantil através da “ginástica terapêutica”. Para Lacan, portanto, “nunca se sabe em que o pai é carente”.
Assim, “o que está em jogo na psicose não é a presença ou ausência do pai na família, mas uma posição subjetiva em que, ao apelo do Nome-do-Pai corresponda não à ausência do pai real, pois essa ausência é mais do que compatível com a presença do significante, mas a carência do próprio significante”. A Verwerfung, “será tida por nós, portanto, como foraclusão do significante” (Lacan, 1958/1998, p. 564).
No ponto em que, é chamado o Nome-do-Pai, responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica, conforme o Esquema I, cujo falo simbólico se apresenta zerado, F0 (Lacan, 1958/1998, p.564 e 578).  A consequência da não inscrição da função paterna é o retorno no real do que ficou foracluído cuja manifestação clara é a alucinação.  Para Lacan “tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real”.  

As consequências da foraclusão no Nome-do-Pai

Em “Análise de um Caso de Paranóia Crônica de 1896”, Freud relata um caso clínico de psicose paranoica na qual sua paciente a Sr.ª P. na impossibilidade de recalcar como mecanismo de defesa, a sua relação sexual com o irmão na infância, formou um sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas, onde o sujeito deixa de reconhecer a autoacusação pelo ato libidinoso, e para que possa recompensar isso, fica privado de proteção contra as auto - acusações que, retornam em suas representações delirantes sob a forma de pensamentos ditos em voz alta e com os olhares dos vizinhos que ela acreditava estarem sempre voltados para ela, observando sua troca de roupa dentro de seu próprio quarto fechado. Freud afirma ainda que os sintomas de defesa secundária, presentes nas neuroses,  não estão presentes na paranóia, porque segundo o autor, nenhuma defesa pode agir contra os sintomas do retorno do recalcado, porque os mesmos estariam ligados a uma crença, o que não ocorre como o paranoico, ao invés disso surge uma outra fonte para formação de sintomas ( sintomas do retorno do recalcado). São as representações delirantes que chegam ao consciente através de uma formação de compromisso, aumentando as atividades de pensamento, até que essas possam ser aceitas sem nenhuma contradição, onde o sujeito forma sua verdade absoluta, sem nenhuma dúvida ou questionamento desse saber.
          Seriam delírios combinatórios e interpretativos, promovendo uma possível alteração no ego, já que Freud afirmou que a paciente não apresentava nenhum sinal de tentativa de interpretação durante a análise e que, a chamada fraqueza de memória nos paranoicos é tendenciosa, ela baseia-se no recalque e serve para fins do recalque. Em suas palavras ele afirma que Ocorre um recalcamento e substituição subsequentes de lembranças que não são nada patogênicas, mas que contradizem a alteração do ego tão insistentemente exigida pelos sintomas do retorno do recalcado (Freud, 1896, p.173)”.
Em Lacan, temos o caso de sua paciente que ao dizer que, vinha do salsicheiro, ouve como resposta no Real, a palavra Porca, apontando que, quando esse Outro com A maiúsculo fala não é a realidade na qual o sujeito se articula no seu dizer, e sim, a de um Outro que está além dessa realidade.  No entanto, fiquemos atentos com a explicação de Lacan que não descartando a teoria Freudiana, e sim, atualizando-a, no que diz respeito à foraclusão no Nome-do-Pai, permite tanto pensar a psicose em termos de zerificação do falo significante e o peso da significação da significação no vazio enigmático que se apresenta no lugar da significação,  fato importantíssimo da sua teorização por possibilitar um tratamento para esse tipo de paciente dentro da técnica analítica, quanto propor uma incidência outra para o Nome-do-Pai que não na posição de significante, porém uma incidência no real, dando com isso mais uma indicação do caminho a seguir nesse tipo de tratamento, que deverá comportar por essa razão, necessariamente, uma intervenção no nível do real.

Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund (1911/1913) O Caso Schreber Artigos sobre técnica e outros trabalhos. In: Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1987 2ª edição  -  Vol. XII.
FREUD, Sigmund ( 1893 – 1899 )  Um caso de Paranoia Crônica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1987 2ª edição – Vol. III.
LACAN, Jacques (1955-1956) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
LACAN, Jacques ( 1957-1958)  A Foraclusão do Nome do Pai. In: O Seminário  Livro 5 as formações do inconsciente . Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1999.
LACAN, Jacques (1955-1956) Eu venho do salsicheiro. In: O seminário Livro 3 as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar editor, 1997.
LACAN, Jacques (1932)  Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.




terça-feira, 29 de dezembro de 2015

“Um saber que nada sabe” A psicose paranóica como estrutura do sujeito, tendo como tema o assassinato de mulheres.

I - Introdução:

   O presente estudo surgiu do crescente número de mulheres vitimadas por seus companheiros, sejam eles maridos, namorados ou até mesmo os nomeados amantes.
     O que se tem observado é que nos noticiários diários, bem como em determinados programas investigativos, o número de mulheres atacadas diariamente por seus pares vem crescendo significativamente em decorrência da fragilidade do sistema jurídico em intervir de maneira eficaz na contenção desses atos insanos.
     O que ocorre é que, o sujeito paranóico tem como certeza, à sua verdade, verdade essa que na maioria das vezes não condiz com a realidade. Pelo menos não com a realidade dos fatos. Mas isso não interessa a ele, pois seu psiquismo foi estruturado de maneira que ele sempre sabe, e a esse saber, ele não pode renunciar. Geralmente elege alguém para que possa confirmar esse saber, ao perseguir a escolhida, essa não tem como escapar, pois em sua defesa é matar ou morrer para aquela que está na sua mira. O sujeito paranóico só se liberta dessa perseguição ao eliminar a sua causa, que pode ser a companheira ou alguém de seu afeto.


II- A origem da paranóia

     Para Freud a paranóia se dividia em sintomas primários e secundários, onde à descrença e a projeção surgiam em primeiro plano seguido de delírio como sintoma secundário para justificar sua posição. Seu estudo com relação à autobiografia do magistrado Schreber, onde o autor é acometido por delírios de perseguição, Freud observa que o paranóico é alguém que tem um profundo interesse pelo mundo e que percebe que esse mundo está alterado e então constrói uma teoria para o seu universo. Outra de suas observações foi em relação a ruptura que a paranóia ocasiona nos laços sociais de amizade e lealdade, onde a sua tendência homossexual se vê reforçada e seu gozo surge no discurso.
     O paranóico é o sujeito que se antecipa aos fatos, para ele algo ocorreu ou está prestes a ocorrer, e ele não pode ser pego de surpresa, sua concentração está no gozo do outro (perseguidor, amada), ele possui uma certeza delirante, que pode ter sido sussurrada ou inventada por ele mesmo.
     A paranóia, a esquizofrenia e a melancolia fazem parte das psicoses, diferentemente da neurose e histeria.
     Em o seminário livro 17 “ O avesso da psicanálise”, Jacques Lacan afirma que o paranóico está fixado em um significante mestre, significante esse denominado de S1 que comemora a irrupção do gozo e o S2 como uma interpretação delirante ele segue na cadeia de significantes, S1,S2, ... Apesar disso, esse S1 aproxima a paranóia da  neurose, fazendo com que ela se afaste da esquizofrenia, que nesse caso não existe um significante mestre S1. Ao neurótico cabe recalcar esse significante mestre, enquanto que na paranóia ele é retido, ou seja, apesar de existir um S1 para ambos, eles se diferem na identificação do sujeito.
     Para o neurótico o nome do pai barra o desejo da mãe: NP/DM, enquanto que para o paranóico o que prevalece é o desejo da mãe DM, que irá se promover uma significação enigmática (X) DM/X, ou seja o significante mestre S1.
     É através desse S1 que ele se inscreve como o um único, representante de todos os outros significantes, e estando identificado a esse significante ele não faz o -1 em relação ao significante nem ao gozo. Ele é o um no qual todos se referem e que está sendo observado por todos, daí o caráter megalomaníaco do sujeito. Ele é o perseguido, o traído, todos conspiram contra ele. E com esse saber, o sujeito em suas relações pessoais delira, pois vive em um ambiente hostil, onde todos os traem e perseguem. Existe sempre um olhar!

Conclusão:
    
     São muitos os atos criminosos à partir do delírio paranóico em que, muitas vezes promovem um apaziguamento delirante em função de tentar lidar com o laço social. E na dificuldade de lidar com esse laço, o sujeito paranóico comete o crime tendo como expectativa a ação da lei em suplência ao Nome do Pai (NP) que barraria o Desejo da Mãe (DM) = NP/DM. Essa lei jurídica que, pouco faz para proteger as vítimas do paranóico, seja porque, não consegue ou por, pura falta de interesse em lidar com essa epidemia social que vem crescendo assustadoramente no Brasil, mesmo com as medidas protetivas e a  Lei Maria da Penha.

Bibliografia:

FREUD, Sigmund (1911/1913) O Caso Schreber Artigos sobre técnica e outros trabalhos. In: Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1969 Vol. XII

LACAN, Jacques (1955-1956) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

O Seminário – livro 23: O Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

O seminário – Livro 17: “O Avesso da psicanálise” – 1969-70- Jorge Zahar Editor- 1992.


Por: Luiz Fernando Rodrigues Alves

terça-feira, 31 de março de 2015

Análise Terminável ou Interminável?

          Em seu livro,  “ O Trauma do Nascimento”, Otto Ranck tentou reduzir o tempo de uma análise, que segundo ele, toda a neurose vinha pelo trauma do nascimento, onde a mãe seria a repressão primeva e que, através da análise do trauma, o sujeito estaria livre de sua neurose. Essa sua teoria, não foi muito bem aceita pelo grupo psicanalítico da época e nos dias de hoje muito menos.
       Freud relata em sua obra Análise Terminável e Interminável (1937), que tentou acelerar a análise, como relata em sua publicação “ O Home dos Lobos” (1918), quando no início do século, faz uma análise de um sonho que seu paciente Sergey Pankejeff  tivera, onde o mesmo rememora uma cena primária do coito dos pais, o que gerou uma neurose infantil. Após essa descoberta, Freud encerra a análise e o paciente retorna a seu país de origem (Rússia). Anos mais tarde esse paciente volta com Freud, porém tinha se tornado um psicótico em decorrência da não continuidade de sua análise e em consequência da falência financeira do pós- guerra(1914-1918). Freud então, volta a atendê-lo,  até se refugiar em Londres com a família e também por causa de sua doença, deixando com seus seguidores,  a continuidade da análise do paciente, que veio a falecer em maio de 1979. Tendo inclusive, um livro publicado com o seu pseudônimo batizado por Freud de o Homem dos Lobos.
        Para Freud, a cura não é uma melhor adequação ao externo, e sim, na possibilidade de retroceder ao passado do sujeito e conhecer melhor as leis  fantasmáticas. Fazendo assim, uma nova leitura, para que  ele possa entender o que o assombra. O efeito dessa nova leitura irá gerar um novo fantasma, porém com maior grau de simbolização formado por deslocamento e condensação. Com isso, faz-se uma nova revisão, que a partir desse ponto, se percebe o interminável de uma análise. A análise é interminável, não dentro do enquadre analítico, onde o processo se esgota, mas sim, no processo da análise em que o sujeito deverá prosseguir utilizando o uso das interpretações na qual adquiriu com a sua experiência de analisando. É claro que para que isso ocorra se faz necessário que o analista tenha lhe entregue um código, o código no qual, o sujeito decifrou o seu enigma.


Por: Luiz Fernando R. Alves

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Escuta Psicanalítica no Discurso do Sujeito Psicótico





Luiz Fernando Rodrigues Alves





A Escuta Psicanalítica no Discurso do Sujeito Psicótico




Trabalho de conclusão do curso de atualização Fundamentos da experiência psicanalítica, apresentado com vistas à obtenção do título de atualização na área de Saúde Pública.




Orientadora: Profa. Dra. Clarice Gatto



Rio de Janeiro, novembro de 2013.





SUMÁRIO

I - Introdução
1.1  - O Caso Schreber
1.2  - O mecanismo da paranoia
1.3   Forclusão do Nome-do-Pai
II - Conclusão
2.1  – Caso Clínico



   


Resumo

  Este trabalho tem como objetivo discutir o conceito de psicose em Freud a partir do caso Schreber e de Lacan a partir da evolução do conceito de Forclusão em seu ensino.
  Em Freud, trata-se de um relato autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia Paranoides), onde Freud faz uma análise do magistrado Schreber que foi acometido de dois surtos psicóticos.
 Em Lacan, o presente estudo apresenta a ideia de uma forclusão do Nome do Pai  na psicose como algo que, ao mesmo tempo, a particulariza e a diferencia das outras estruturas clínicas,  para a proposição de uma forclusão generalizada, que se estende também à neurose e a perversão.
Concluo o presente trabalho com a apresentação de um único estudo de caso no relato de um paciente diagnosticado com esquizofrenia paranoide, comparando seu discurso às teorias de Freud e Lacan.
  
      
  Palavras Chave: Forclusão. Esquizofrenia. Paranoia. Psicose. Psicanálise. Schreber.  Lacan, Jacques, 1901-1981, Freud, Sigmund, 1856-1939.
     
  
Abstract

   This paper aims to discuss the Freud’s concept of psychosis from Schreber’s case and Lacan’s from the evolution of the concept of foreclosure in their teaching .
   In Freud, it is an autobiographical report of a case of paranoia (Dementia Paranoid), where Freud 's analysis of magistrate Schreber who was stricken by two psychotic episodes.
   In Lacan, this study presents the idea of ​​a foreclosure of the Name of the Father in psychosis as something that particularized and differentiated from other clinical structures, for the proposition of a widespread foreclosure, which extends also to neurosis and perversion.
   I conclude this paper by presenting a unique case study in the report of a patient diagnosed with paranoid schizophrenia, comparing his speech to the theories of Freud and Lacan.
    

Keywords: forclosure. Schizophrenia. Paranoia. Psychosis. Psychoanalysis. Schreber. Lacan, Jacques, 1901-1981. Freud, Sigmund, 1856-1939 .



1. Introdução

1.1 O caso Schreber

         Publicado por Freud em 1911 como as "Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia", e baseado no estudo do texto autobiográfico Memórias de um doente de nervos (1903), de Daniel Paul Schreber, Freud nos oferece uma ampla visão de sua teoria sobre as psicoses tratando do delírio psicótico, da mesma forma que do sintoma neurótico: ao invés de descartá-lo como manifestação patológica a ser eliminada, busca encontrar nele um sentido aos sintomas apresentados. Dedica-se, portanto, a uma análise cuidadosa do conteúdo do delírio de Schreber que se crê perseguido por Deus, que lhe teria confiado à missão salvadora de se transformar em mulher e gerar uma nova raça o que 1he permite formular a hipótese de que o delírio seria uma defesa contra a homossexualidade, conforme relata Freud[1].
       Para Freud, o delírio de Schreber não deve ser considerado simplesmente uma manifestação patológica, mas uma tentativa de cura. A formação delirante que parece ser o produto patológico é na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução. O delírio é concebido como uma manifestação característica do mecanismo, próprio da psicose, no qual o que foi reprimido no interior, volta ao exterior.

1.2 O mecanismo da paranoia

        Freud defende que a paranoia é um mecanismo de defesa na qual o sujeito para proteger-se de suas catexias sociais instituais, é levado a algum lugar entre os estádios de autoerotismo, narcisismo e homossexualismo. Freud cita ainda uma disposição semelhante aos pacientes diagnosticados como esquizofrênicos (demência precoce), para ele o individuo do sexo masculino possue uma fantasia de amar outro homem, e que a paranoia vem em contra posição a esse desejo, conforme seu relato [2].   No caso de Schreber o amor pelo pai autoritário se faz latente, tendo sido substituído pelo amor a Deus e que para promover tal desejo, se fazia necessário que ele pudesse se transformar em uma mulher e assim gerar filhos que repovoariam a terra.  O fato de amar um homem, faz com que o paranoico diga que o odeia, evitando assim que o inconsciente invada o consciente. Porém, esse eu odeio é substituído por ele me odeia, gerando como produto final os delírios paranoicos de perseguição. O que ocorre é que o perseguidor fora no passado alguém que foi amado, conforme relata Freud [3].

1.3  Forclusão do Nome-do-Pai

        Lacan retoma o caso Schreber nos anos 1955-56, no seminário dedicado ao tema das psicoses. O texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses (1958), escrito entre a primeira e a segunda parte do Seminário 5, é também dedicado à estrutura psicótica. Em ambos os textos, Lacan retoma a concepção freudiana das psicoses a partir do mecanismo da Verwerfung freudiana, denominando-o forclusão.  O termo, de origem jurídica indica o uso de um direito não exercido no momento oportuno e é utilizado por Lacan para descrever aquilo que falta ao sujeito psicótico, a castração, enquanto ordenadora do campo simbólico e, consequentemente, de suas relações com a realidade. Enquanto na neurose a castração sofre recalcamento e na perversão ela é denegada, na psicose ela permanece forcluída para o sujeito. 
        Segundo Lacan, isso ocorre porque fracassa a operação metafórica que introduz o sujeito no campo simbólico, à operação por meio da qual, como vem anteriormente, o Nome-do-pai vem substituir-se ao desejo materno[4].  Por causa disso, não existe aquilo mediante o qual o pai intervém como lei. 
        É por isso que, para Lacan, a psicose decorre fundamentalmente da carência do pai.  Entretanto, essa carência não deve ser entendida como a carência do pai na família e sim como a carência de uma função. Para Lacan, é possível, concebível, exequível e palpável pela experiência, que o pai esteja presente mesmo quando não está, o que já deveria nos incitar a certa prudência no manejo do ponto de vista ambientalista no que concerne à função do pai. Mesmo nos casos em que o pai não está presente, em que a criança é deixada sozinha com a mãe, complexos de Édipo inteiramente normais surgem nos dois sentidos: normais como normalizadores, por um lado, e também normais no que se não normaliza, isto é, por seu efeito neurotizante, por exemplo - se estabelecem de maneira exatamente homóloga à dos outros casos. É nesse sentido que a presença ou ausência concreta do pai na família não é suficiente para definir a carência de sua função. O pai de Schreber, por exemplo, longe de ter sido um pai ausente, ficou conhecido pelo caráter tirânico e extrema rigidez pedagógica, tendo sido autor de um tratado que visava à educação infantil através da "ginástica terapêutica". Para Lacan, portanto, nunca se sabe em que o pai é carente. 
        Assim, o que está em jogo na psicose não é a presença ou ausência do pai na família, mas uma posição subjetiva em que, ao apelo do Nome-do-Pai corresponda não à ausência do pai real, pois essa ausência é mais do que compatível com a presença do significante, mas a carência do próprio significante." “A Verwerfung será tida por nós, portanto, como forclusão do significante”. No ponto em que, veremos de que maneira, é chamado o Nome-do-Pai, pois, responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica." A consequência dessa função paterna é o retorno no real, do que ficou forcluído, cuja manifestação clara é a alucinação. Para Lacan, "tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real”.

2.  Conclusão

        A partir dos estudos de Freud e Lacan, podemos concluir que o dizer do sujeito psicótico, surge na urgência de um desejo da mãe em função da ausência do Nome-do Pai, como representante desse encontro a três, que se faz muito bem representado no esquema proposto por Lacan[5]·, onde o sujeito se pergunta “Que sou eu nisso?” Se questionando se ele sujeito é um homem ou uma mulher.
   
2.1  Caso Clínico

        O presente caso se refere a fragmentos de sessões de J.L. (nome fictício) que foi meu analisando entre os anos de 2005 a 2008, em sessões três vezes por semana, e que havia sido diagnosticado pela clínica psiquiátrica como Esquizofrenia paranoide, a partir dos 19 anos de idade. Nunca havia sido tratado com qualquer tipo de escuta analítica, somente pela clínica psiquiátrica médica e foi internado uma única vez, a seu pedido, logo após o falecimento de uma tia, que ocorreu poucos meses após o falecimento de sua mãe, época em que completara 28 anos de idade. Nas entrevistas preliminares J.L. havia terminado de completar 40 anos de idade. Era um rapaz tímido, recluso, desconfiado que vivia sozinho e era tutelado por duas irmãs (paternas mais velhas filhas de seu pai  com a primeira esposa),  que me pediram para atende-lo como psicanalista,  após ter sofrido uma fratura no ombro em consequência de uma queda.   Segundo relatado pelas irmãs, J.L. havia simpatizado comigo já nas entrevistas preliminares, algo que não costumava ocorrer com outros profissionais da saúde.
        Logo que iniciou sua análise pude observar que a transferência ocorreu de forma positiva, em virtude da possibilidade de poder dizer o que lhe viesse à mente sem nenhuma interferência, pois até então segundo dizia, nunca pode realmente se expressar, tanto na fala como em gestos. Seu discurso era, de que, aos três anos de idade presenciou a relação sexual de seus pais e que aquilo ficou identificado para ele como um ato de violência, em que seu pai infringira a sua mãe. Relato esse que sempre mencionava o pai como um homem rude e ignorante, que lhe causara muitos males, dentre eles o fato de ter abusado sexualmente dele desde dos três anos até a puberdade em torno dos 12 anos, período esse em que ele relatou o fato a mãe e a tia (que residia no apartamento em um andar acima no mesmo prédio) e ambas proibiram que o pai continuasse dando banho nele, pois eram nesses banhos que o abuso acontecia conforme seu discurso. J.L. relatava que em sua infância sentia uma atração pelos homens, mas ao mesmo tempo um medo de que algo ruim pudesse acontecer a ele caso viesse a se relacionar com eles. Na escola sofria bullyng de seus colegas que diziam que ele era gay, e que ele e dois desses colegas masturbavam-se mutuamente no banheiro da escola. Relatou também com grande riqueza de detalhes que foi amante dessa tia que o ajudara a criar e que ela era alcoólatra e o seduzia desde pequeno, e ao completar 16 anos de idade ela o iniciara com sua primeira relação sexual. Segundo seu relato ambos foram amantes por mais de dez anos até o falecimento dela, o que gerou seu pedido de internação em uma clínica psiquiátrica. Perguntava sempre a seu pai se haveria algum problema caso ele fosse homossexual, o que esse respondia que, isso lhe traria sofrimento e preconceitos e seria melhor não ser. Quando perguntava o mesmo a sua mãe, ela dizia que preferia ter um filho preso ou mesmo morto, ao invés de um filho homossexual. No seu discurso em análise, ele sempre repetia a seguinte frase, esperando uma resposta de confirmação de minha parte:
J.L “Mulher gosta de homem rude!?”, se referindo ao amor da mãe ao pai e não a ele.
Eu “O que você acha?”.
J.L. “Gosta!”... Seguido por um silêncio.
        A pergunta se repetia em todas as sessões durante sua análise, o que caracterizava que no seu entendimento, a mãe não o amava e sim ao pai, e que ele só tinha a tia amante como alguém que o amava. Tia essa, que no seu discurso mantinha relações sexuais com ele várias vezes ao dia durante anos. Seu primeiro surto psicótico ocorreu no primeiro ano de faculdade, quando ouvia vozes que diziam: “você é viado” (conforme lembrou em uma de suas sessões).
       Agrediu fisicamente seu pai e sua mãe, porém quando tentou o mesmo com a tia ela disse a ele que, “se a agredisse perderia a mulher (amante)” e que, após essa ameaça, conseguiu conter o seu impulso, pois seria muito difícil perder a única pessoa que o amava.
        Esses fragmentos de caso nos dão uma ideia dos relatos de um sujeito no seu discurso psicótico em que mesmo um pai presente fisicamente, pode indicar no apelo do sujeito à lei a forclusão do significante Nome-do-pai através de sua percepção com o seu mundo interno e externo no que se refere aos significados. O que cabe aqui salientar é na sua insistência em afirmar que o pai era rude e violento com ele e que o abusara sexualmente, e todo o mal que lhe ocorreu durante sua vida, partiu desse entendimento, conforme seu discurso afirmativo de que “se tivesse tido um bom pai, talvez ele não tivesse enlouquecido”. Referia-se ao pai como LEÃO, devido ao perigo que ele representava, e que esse lhe causara destruição física. Quando caminhava pelas ruas ficava o tempo todo olhando para trás para não ser atacado e penetrado por ninguém, várias vezes caiu por andar rápido em fuga conforme relato seu. Sua última fratura o levou a uma deficiência física que não pode ser corrigida cirurgicamente, devido a sua diabete que inclusive o levou a uma retinopatia (perda progressiva da visão).
        Atualmente o atendo em sua residência quando ele me solicita e sempre escuto seu discurso repetitivo no que diz respeito à ausência desse significante incondicionado que é o significante Forclusão do Nome-do-Pai e as consequências psíquicas que podem ocorrer ao sujeito foracluído.  Contudo, Lacan[6] indica, em seu seminário sobre Joyce, que “há um outro modo de chamar ao pai”, a busca por uma psicanálise seria um desses modos?
        O termo demência precoce pode ser observado pela sua incapacidade de elaborar alguns conteúdos básicos, que para um neurótico, não haveria nenhum problema. As riquezas de detalhes no seu discurso dão a clareza dos fatos acontecidos na sua infância e puberdade, porém, após o desencadeamento de seu primeiro surto de passagem para a esquizofrenia, esses detalhes entram na ordem do imaginário sem o recurso da articulação simbólica o LEÃO, que a escuta analítica permite destacar, retorna no real para o sujeito, mas no discurso analítico, em seu delírio, as perguntas: “Sou homossexual, heterossexual ou bissexual? O que sou eu nisso?”, o inserem na tentativa de cura da qual fala Freud.




Esquema L:
                                  

                                                                  





Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund (1911/1913) O Caso Schreber Artigos sobre técnica e outros trabalhos. In: Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1969 Vol. XII

LACAN, Jacques (1955-1956) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
O Seminário – livro 23: O Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.




[1] (...) O próprio paciente informou o mundo de sua fantasia de ser transformado em mulher (...)”. O Caso Schreber- Vol. XII- 1911,  p. 62.
[2]  (...) é uma fantasia de desejo homossexual de amar um homem (...). Sobre o Mecanismo da paranoia Vol. XII  - 1911,  p. 85.
[3] A preposição ‘eu (um homem) o amo’ é contraditada por: (a) Delírios de perseguição, (...) Sobre o Mecanismo da paranoia Vol. XII – 1911,  p. 86.
[4]  Lacan J.  “É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamento do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante”, in: Escritos 1958, p. 584.
[5]  Lacan, Jacques, Escritos (1955-1956) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, Esquema L, p. 555.
[6] Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 23: O Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p.163.  

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A Maternidade e Paternidade na família homo-afetiva

   Quando nos referimos a família, pensamos sempre em pai (homem) mãe (mulher) e filho(as). Porém nem sempre esse conceito de família coincide com a atual realidade. O que estamos testemunhando na atualidade são, novas famílias que estão sendo denominadas homo-afetivas, famílias essas que se constituem de maneira diferenciada das famílias heterossexuais. No que diz respeito a essas famílias, a presença de duas mães ou dois pais são a norma e seus filhos são fecundados através dos gametas de um dos pares in vitro. Em alguns casos a adoção é uma segunda opção.. O que se tem discutido no meio psicossocial e religioso é, de que maneira essas crianças oriundas de famílias homo-afetivas irão se identificar em sua sexualidade quando forem adultas?  Pois bem, cabe lembrar que seus pais em sua grande maioria são oriundos de famílias heterossexuais e que tiveram padrões de normas e condutas dentro desse contexto, e que em determinado período de suas vidas se descobriram homossexuais apesar da orientação oposta de seus pais. Isso nos faz pensar que, mesmo dentro de padrões de organização homossexual na família, pode-se gerar pessoas que não tenham a mesma orientação sexual, logo, podemos perceber que o fato do sujeito ser oriundo de uma família homo-afetiva, não necessariamente, será ele em sua vida adulta um homossexual  por indução do direcionamento de seus pais, como ocorre dentro de uma família heterossexual. As escolhas e desejos são da ordem do inconsciente de cada sujeito. E mesmo que, o  meio possa, de alguma forma interferir na sua escolha (seja de uma família ou de outra), o que irá prevalecer é o sujeito do inconsciente, caso contrário, se instala o sintoma como representante do real no protesto do significante desejo.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Uma breve explicação na formação de um Ego estruturado.


Segundo a teoria psicanalítica de W.Bion, onde Continente (Representante mãe) e Conteúdo (Representante bebê) , se faz à partir do momento em que o infante se direciona a mãe, seja através do choro, olhar ou mesmo do silêncio, direcionando a ela, elementos não entendidos para que a mãe possa traduzi-los e ao mesmo  tempo, retornar ao bebê em forma de continente como elementos Alfa. Ou seja, acalmar e fazer com que ele perceba que existe alguém ou algo que está ali para atender as suas necessidades.  Quando esse processo não ocorre de forma adequada, seja por dificuldade da mãe de se fazer continente em elaborar os conteúdos enviados pelo seu bebê, pode ocorrer um entendimento de total desamparo do bebê, iniciando à partir daí um sintoma, que irá surgir mais a frente podendo persistir para o resto de sua vida. Isso explicaria muito bem alguns casos de autismo, onde a criança não interage com o meio a sua volta, criando um universo paralelo, onde não existe o EU / TU, e sim EU e objetos inanimados, isso em função dos conteúdos enviados não terem sidos processados pela mãe e ao mesmo tempo não retornando como elemento alfa, ficando assim contidos no bebê como algo de grande ameaça, gerando  uma ausência do outro como objeto de amparo.
Segundo Bion, o que impede que ocorram sintomas, sejam eles de grande complexidade como o autismo e as psicoses, é o fato do sujeito bebê, ter uma mãe continente e ao mesmo tempo ser ele capaz de conseguir receber esses conteúdos alfa, elaborando para si a possibilidade da formação de um EGO bem estruturado. A isso Bion deu o nome de K (knowledge) que significa conhecimento. E  -K,  que seria o inverso, onde o sujeito não teria esse conhecimento ou a possibilidade de entendimento necessário para o formação de um EGO estruturado para sua existência dentro das exigências da civilização.
 O que fazer quando esse K não está presente após a primeira infância?
Seria através das sessões de psicanálise, onde o analista irá representar a posição de continente no lugar da mãe, interpretando os conteúdos  -K que serão enviados  pelo analisando através da fala. Esses conteúdos,  irão retornar ao analisando como elementos alfa sendo eles elaborados e criando assim um entendimento K necessário para uma existência satisfatória.

sábado, 6 de outubro de 2012

A psicanálise à distância. Uma realidade antiga e atual.


Em sua obra “ Análise de uma fobia em um menino de cinco anos” publicada em 1909, Freud apresenta um caso de um menino ( que ficou conhecido como o pequeno Hans) que nasceu em 1903 e fora acometido por uma neurose fóbica, devido ao seu complexo de Édipo em decorrência dos afetos de sua mãe e pela autoridade de seu pai, que apesar de atencioso, aos olhos do pequeno Hans era um obstáculo entre o amor dele e de sua mãe. O que se pode observar é que essa análise começa antes do menino completar três anos e perdura por cerca de dois anos aproximadamente. Mas a questão não é a idade e nem o tempo de duração e sim a forma como se fez. Naquela época o único meio de comunicação à distância entre as pessoas comuns eram através de cartas escritas em papel e que levavam semanas ou mesmo meses para que chegassem a seu destinatário. Pois bem, o pai do pequeno Hans era um médico aluno de Freud que residia na Gmunden (na alta Áustria) enquanto que Freud se encontrava na capital Viena. Sendo assim foi dessa maneira que ambos resolveram fazer uma análise da neurose em que se encontrava o menino.
       O que se pergunta é: Pode uma análise ser bem sucedida sem a presença do analisando junto ao seu analista?  Pois bem, no caso do pequeno Hans a análise se fez através de seu pai que tinha algum conhecimento das técnicas psicanalíticas de Freud, e que relatava fidedignamente os sintomas que Hans apresentava, e que eram muito bem interpretados pelo mestre. Conforme o menino ia crescendo seus sintomas iam mudando e no decorrer de toda a sua análise Freud apontava ao pai o porquê de cada sintoma que identificado era rapidamente tratado pelo pai e pela mãe no sentido de dar segurança ao menino, principalmente após o nascimento de sua irmã mais nova. Passados dois anos do fim de sua análise, Freud não soube mais do pequeno Hans, porém na primavera de 1922, um rapaz que leu seu artigo publicado veio se apresentar a ele dizendo que era o pequeno Hans  e que na época já havia completado dezenove anos e se tornara um rapaz forte e inteligente sem nenhum traço neurótico que o impedisse de levar uma vida normal. Para Freud isso foi muito bom, pois não sabia o que havia acontecido com aquele menino que tratara há mais de dez anos atrás
        Então, voltando à pergunta. Pode ou não uma análise ser bem sucedida à distância?  Ao meu entender, pode sim! Se em uma época em que os meios de comunicação eram tão difíceis e ineficientes, imagine hoje onde podemos estar frente a frente com nosso paciente através da tela de um computador. O caso do pequeno Hans é uma análise em que o analisando não estava diretamente relacionado com seu analista, porém foi através de seu pai que o enquadre analítico se fez em sua própria residência. Em um atendimento online, (via SKYPE, por exemplo) o paciente e seu analista fazem seu enquadre num duplo ambiente, onde o ambiente em cada qual se encontra passa a ser o set terapêutico. Se ficar, frente a frente em uma sala torna o enquadre mais íntimo, à distância o Eu / Tu se mantém, não impedindo que os conteúdos apresentados pelo analisando sejam interpretados por seu analista. Talvez a falta de um divã fosse uma desculpa para que não houvesse sucesso. Mas por que não deitar em um sofá ou cama sem olhar para tela  com a câmera apontada de  forma que o analista possa vê-lo enquanto ele analisando olha para cima. Ou face  a face via tela. Tudo é possível! O enquadre pode ser montado conforme achar melhor tanto analista como analisando, o que vem ser válido é que ocorra a análise seja ela presencial, seja ela à distância, pois as resistências e os mecanismos de defesa estarão sempre presentes em ambos os casos. O que ocorre é que  análise à distância pode ser a única maneira de se analisar uma pessoa que esteja com alguma fobia ou impossibilidade de se locomover até o seu analista, ou mesmo para aqueles que já estão em análise presencial e precisam viajar por motivos de trabalho ou familiar. As ferramentas tecnológicas estão aí! As Universidades já estão usando e graduando seus alunos via online. Não podemos,nós analistas, ficarmos de fora, como se isso não existisse. Freud com certeza usaria essa ferramenta caso a tivesse no início do século XX. E o  pequeno Hans iria com certeza interagir muito bem com ele através da tela de seu computador. 
Por: Luiz Fernando R. Alves

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