Trabalho apresentado no I Colóquio do Fórum do campo Lacaniano Diagonal Rio de Janeiro - 15/10/2016
Luiz Fernando Rodrigues
Alves
O título dessa
mesa “o inconsciente a céu aberto” faz referência a expressão de Lacan no
Seminário 3, As psicoses (Lacan, 1985). Na
sintomatologia das psicoses, a divisão fundadora do inconsciente, operada pelo
recalcamento originário, não acontece, o que leva à formulação lacaniana de que
o inconsciente aparece “a céu aberto” (Lacan, 1956 / 1975, aula de 14 de
dezembro de 1955, p.73). Nas psicoses a
operação que responde à castração simbólica é a foraclusão (Verwerfung),
distinta do recalcamento originário (Urverdrängung), defesa presente nas
neuroses e nas perversões. O fato de o sujeito na estrutura psicótica não
reconhecer os efeitos inconscientes (formações) nem por isto quer dizer que a
linguagem inconsciente deixa de operar efeitos em seu discurso.
Neste trabalho comentarei a formulação
de Lacan a propósito da noção de foraclusão do Nome-do-Pai para pensarmos a
modalidade de resposta à castração nas psicoses.
A foraclusão no Nome-do-Pai
Lacan retoma o
caso Schreber nos anos 1955-56, no seminário dedicado ao tema das psicoses. O
texto De uma questão preliminar a todo
tratamento possível das psicoses (Lacan, 1958/1998), escrito entre a primeira e a segunda parte do Seminário 5, é também dedicado
à estrutura psicótica. Em ambos os textos, Lacan retoma a concepção freudiana
das psicoses a partir do mecanismo da Verwerfung freudiana, denominando-o foraclusão. O termo, de origem
jurídica indica o uso de um direito não exercido no momento oportuno e é
utilizado por Lacan para descrever aquilo que falta ao sujeito psicótico, a
castração, enquanto ordenadora do campo simbólico e, consequentemente, de suas
relações com a realidade. Enquanto na neurose a castração sofre recalcamento e
na perversão ela é desmentida, na
psicose ela permanece foracluída para o
sujeito.
Segundo Lacan
isso ocorre porque fracassa a operação metafórica que introduz o sujeito no
campo simbólico, à operação por meio da qual, o Nome-do-pai (NP) como
significante da lei que impõe a castração simbólica para todo homem como
condição de acesso ao gozo fálico, em substituição ao desejo materno (DM). Por causa disso, não existe aquilo mediante o
qual o pai intervém como lei (Fig.1).
É por isso que,
para Lacan, a psicose decorre fundamentalmente da carência do pai. Entretanto,
essa carência não deve ser entendida como a carência do pai na família e sim
como a carência de uma função. Para Lacan é possível, concebível, exequível e
palpável pela experiência, que o pai esteja presente mesmo quando não está, o
que já deveria nos incitar certa prudência no manejo do que concerne à função
do pai. Mesmo nos casos em que o pai não está presente, em que a criança é
deixada sozinha com a mãe, a ausência concreta do pai na família não é
suficiente para definir a carência de sua função. O pai de Schreber, por exemplo, longe de ter
sido um pai ausente, ficou conhecido pelo caráter tirânico e extrema rigidez pedagógica, tendo
sido autor de um tratado que visava à educação infantil através da “ginástica
terapêutica”. Para Lacan, portanto, “nunca se sabe em que o pai é carente”.
Assim, “o que
está em jogo na psicose não é a presença ou ausência do pai na família, mas uma
posição subjetiva em que, ao apelo do Nome-do-Pai corresponda não à ausência do
pai real, pois essa ausência é mais do que compatível com a presença do
significante, mas a carência do próprio significante”. A Verwerfung, “será tida por nós,
portanto, como foraclusão do
significante” (Lacan, 1958/1998, p. 564).
No ponto em que,
é chamado o Nome-do-Pai, responder
no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico,
provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica, conforme o
Esquema I, cujo falo simbólico se apresenta zerado, F0 (Lacan,
1958/1998, p.564 e 578). A consequência da não inscrição da função
paterna é o retorno no real do que ficou foracluído
cuja manifestação clara é a alucinação. Para Lacan “tudo o que é recusado na ordem
simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real”.
As consequências da foraclusão no Nome-do-Pai
Em “Análise de um Caso de Paranóia Crônica de
1896”, Freud relata um caso clínico de psicose paranoica na qual sua
paciente a Sr.ª P. na impossibilidade
de recalcar como mecanismo de defesa, a sua relação sexual com o irmão na infância,
formou um sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas, onde o sujeito
deixa de reconhecer a autoacusação pelo ato libidinoso, e para que possa recompensar
isso, fica privado de proteção contra as auto - acusações que, retornam em suas
representações delirantes sob a forma de pensamentos ditos em voz alta e com os
olhares dos vizinhos que ela acreditava estarem sempre voltados para ela,
observando sua troca de roupa dentro de seu próprio quarto fechado. Freud
afirma ainda que os sintomas de defesa secundária, presentes nas neuroses, não estão presentes na paranóia, porque segundo
o autor, nenhuma defesa pode agir contra os sintomas do retorno do recalcado,
porque os mesmos estariam ligados a uma crença, o que não ocorre como o
paranoico, ao invés disso surge uma outra fonte para formação de sintomas (
sintomas do retorno do recalcado). São as representações delirantes que chegam
ao consciente através de uma formação de compromisso, aumentando as atividades
de pensamento, até que essas possam ser aceitas sem nenhuma contradição, onde o
sujeito forma sua verdade absoluta, sem nenhuma dúvida ou questionamento desse
saber.
Em Lacan,
temos o caso de sua paciente que ao dizer que, vinha do salsicheiro, ouve como
resposta no Real, a palavra Porca, apontando que, quando esse Outro com A maiúsculo
fala não é a realidade na qual o sujeito se articula no seu dizer, e sim, a de
um Outro que está além dessa realidade. No
entanto, fiquemos atentos com a explicação de Lacan que não descartando a
teoria Freudiana, e sim, atualizando-a, no que diz respeito à foraclusão no
Nome-do-Pai, permite tanto pensar a psicose em termos de zerificação do falo significante
e o peso da significação da significação no vazio enigmático que se apresenta
no lugar da significação, fato
importantíssimo da sua teorização por possibilitar um tratamento para esse tipo
de paciente dentro da técnica analítica, quanto propor uma incidência outra
para o Nome-do-Pai que não na posição de significante, porém uma incidência no
real, dando com isso mais uma indicação do caminho a seguir nesse tipo de
tratamento, que deverá comportar por essa razão, necessariamente, uma
intervenção no nível do real.
Referências
bibliográficas
FREUD,
Sigmund (1911/1913) O Caso Schreber
Artigos sobre técnica e outros trabalhos. In: Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1987 2ª edição - Vol.
XII.
FREUD,
Sigmund ( 1893 – 1899 ) Um caso de Paranoia Crônica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 1987 2ª edição – Vol.
III.
LACAN,
Jacques (1955-1956) De uma questão
preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1998.
LACAN,
Jacques
( 1957-1958) A Foraclusão do Nome do Pai. In: O Seminário Livro 5 as formações
do inconsciente . Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1999.
LACAN,
Jacques (1955-1956) Eu venho do
salsicheiro. In: O seminário Livro 3
as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar editor, 1997.
LACAN,
Jacques (1932) Da psicose paranoica em suas relações com a
personalidade. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.